A Internet Pode Aumentar o Risco de Contágio de Doenças Sexualmente Transmissíveis?
- JAMA 2000;284:443-446
- 1 de dez. de 2016
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É plenamente conhecido pelo público leigo que a probabilidade de contágio de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), cuja AIDS é sua mais importante representante nas últimas duas décadas, aumenta proporcionalmente de acordo com o número de parceiros e o anonimato dos mesmos. A atividade sexual com pessoas anônimas, ou seja, pessoas as quais não se conhecia previamente ao ato sexual, ocorre tipicamente em bares, discotecas, clubes noturnos, saunas e casas de massagem. Tem sido sugerido ser a Internet, através do acesso às salas de chat das mais diversas, muitas vezes específicas, um novo local onde esse tipo de contato ocorre para se falar sobre sexo. Devido à impossibilidade de se conhecer as informações pessoais dos internautas que utilizam tais serviços e de se levantar os números reais dos contatos sexuais gerados na internet, fica difícil de se fazer um levantamento dessa questão. Foi baseado nessas dúvidas que uma equipe de médicos norte-americanos dentre os quais está a Dra. Mary McFarlane do Departamento de Doenças Sexualmente Transmissíveis do Centro de Prevenção e Controle de Doenças – Atlanta – EUA e do Departamento de Saúde Pública de Denver - EUA, realizou um estudo com internautas que procuraram o site de aconselhamento sobre HIV do Departamento de Saúde Pública de Denver. A descrição desse estudo foi publicada na revista médica JAMA. Objetivos do Estudo O objetivo desse estudo foi o de perceber se o uso da internet como meio de se conseguir parceiros sexuais poderia ser considerado um fator de risco para DSTs/AIDS. Métodos Foram selecionados 856 clientes maiores de 18 anos que consultaram o site acima citado, durante o período de setembro de 1999 a abril de 2000. Aqueles que aceitaram participar da pesquisa receberam um questionário de avaliação de risco onde constavam perguntas sobre comportamento sexual: heterossexual, homossexual, bissexual, número de parceiros nos últimos 12 meses, história de exposição a parceiros de risco, história passada de DSTs, AIDS, uso de drogas ou álcool no ato sexual, hemofilia, sexo oral, anal ou vaginal e uso de preservativos. Posteriormente, os participantes tiveram uma amostra de sangue colhida para a realização de um teste para HIV. Foi respondido um outro questionário sobre o uso da internet como meio de se procurar parceiros sexuais. A maioria dos participantes era da raça branca, heterossexuais e homens. Resultados Uma importante quantidade de pessoas tinha passado de DSTs (20%). A maior parte do grupo era sexualmente ativa sendo que 20% tinham tido mais de sete parceiros sexuais nos últimos 12 meses. O tipo de sexo mais realizado foi o sexo oral (88%) seguido do sexo vaginal (73%), tendo o sexo anal uma representação também importante (41%). Houve o uso de preservativo na última relação sexual em 40% das pessoas e 13% disseram ter estado sobre a influência de álcool ou outras drogas na última relação. Das pessoas que relataram terem sido expostas sexualmente a pessoas HIV positivas (16%), 53% usaram preservativos. Com relação à procura de parceiros sexuais na internet, 135 (15%) pessoas o fizeram, sendo que dessas, 88 (65%) tiveram um contato sexual através da internet. A maioria dos contatos ocorreu seis meses antes do estudo e o uso de preservativo foi relatado por somente 37 (44%) dessas pessoas. Após a comparação entre os diferentes grupos, o grupo de clientes que acessou a internet com o intuito de procurar parceiros sexuais tinha como participantes um maior número de homens e de homossexuais. Também houve um número maior de homossexuais no grupo de pessoas que conseguiu parceiros sexuais pela internet. Fatores de risco foram mais relatados por esse grupo do que por aquelas pessoas que não utilizaram a internet como forma de buscar parceiros sexuais e eles também relataram um maior número de casos de DSTs prévios o que aumenta o risco para contágio das mesmas e da AIDS. O sexo anal e o contato homossexual foram mais freqüentes nessas pessoas do que nas que não procuraram parceiros pela internet, assim como o contato com pessoas HIV positivas. Comentários A amostra deste estudo não reflete a população da cidade onde foi realizado o estudo (Denver) nem do país em questão (EUA). Também foi selecionado para este estudo pessoas com uma maior probabilidade de contato com as DSTs e AIDS, ou seja, pessoas com um maior índice de história passada de DSTs, contatos com HIV positivos e comportamento de risco. Mesmo assim, essa amostra mostrou claramente a relação entre a internet e a facilidade de se conseguir parceiros sexuais anteriormente desconhecidos o que por si só pode ser um fator de risco. Atualmente, basta entrar nos vários sites de chats da internet para conhecer os diversos subtipos de salas de acordo com a opção e preferência sexual de cada um. Torna-se até óbvia a maior facilidade de se conseguir contatos sexuais dessa forma. No entanto, para que se consiga ter uma maior ilustração dentro da população geral que utiliza desses recursos para se satisfazer sexualmente, estudos mais abrangentes são necessários. Dentro desse novo paradigma da internet, ou seja, dentro de uma maior liberdade de se conseguir quaisquer imagens no que se refere às questões sexuais, várias outras questões podem ser levantadas. Será que o fato de se ter tal liberdade passa a ser um estímulo maior para o ato sexual em si? Ou será que o abastecimento dessas curiosidades pode satisfazer pelo menos momentaneamente as pessoas e diminuir sua passagem da imaginação sexual ao ato propriamente dito? A falta de controle das informações provenientes da internet talvez exija uma maior conscientização das crianças e dos adolescentes principalmente pelo círculo familiar, pois de nada adiantaria a repressão nua e crua devido à facilidade de se acessar a rede através de diversos locais.
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